19.11.13

HAVIA VENTO


Havia vento nesse tempo. É dele 
que me lembro a arrastar segredos 
há muito resguardados nas areias 
e nos grãos de sal amolecidos. 
Ainda a boca se recorda do sabor 
dos murmúrios nascidos no deserto, 
das vozes negras, desgrenhadas, 
perdidas dos alfabetos sobrevivos. 
Esse vento foi o mais misterioso 
de todos que por mim se anunciaram.
Acontecia, apenas, como acontece 
a morte ou a paixão. E não havia tempo 
de o pensar, de o acolher, no sono ou na vigília. 
Deixava um odor a searas maduras 
que nos punha no colo um gesto largo, 
uma açucena por detrás do olhar. 
Inadiável é um novo vento
que diga donde vem, para onde vai, 
que sopre diligente sobre o mar, a emprenhar 
os barcos de força e abundância, 
os homens de sossego e inocência.
Das Áfricas virá que dela veio a vida 
e se perdeu, ensandeceu, num vento
norte de gelo e inclemência. 

Licínia Quitério

1 comentário:

Mar Arável disse...

Talvez por isso inventei uma romã
e um Dique
que se recusa ser de barro

Bjs

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