9.5.06

ÁFRICA

Óleo de Malangatana


Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia. Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

JOSÉ CRAVEIRINHA

Que sei eu de África (ou das Áfricas)? Nunca lá estive. Como posso então sentir sedução e deslumbramento pelas suas cores de carne e de terra, pelos seus cheiros de animais a acordar, pelos seus espaços maiores que o nosso olhar, pela linguagem rítmica dos seus sons, pelas trovoadas em coreografias medonhas, pelos poentes súbitos e apoteóticos?
Simplesmente porque de tudo isto há muito oiço falar?
Ou será que amamos os lugares por onde os nossos sonhos se passeiam?
Com Malangatana e José Craveirinha, aqui fica o convite para irmos ali a Moçambique. Tão possível quanto o nosso desejo de viagem.

Licínia Quitério

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

Amar os lugares onde os nossos sonhos passeiam, é uma bonita forma de desejar. Gostei muito de ler-(te).

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