NOUTROS LUGARES
Não é que ser possível ser feliz acabe,
quando se aprende a sê-lo com bem pouco.
Ou que não mais saibamos repetir o gesto
que mais prazer nos dá, ou que daria
a outrem um prazer irresistível. Não:
o tempo nos afina e nos apura:
faríamos o gesto com infinda ciência.
Não é que passem as pessoas, quando
o nosso pouco é feito da passagem delas.
Nem é tanto que ao jovem seja dado
o que a mais velhos se recusa. Não.
É que os lugares acabam. Ou ainda antes
de serem destruídos, as pessoas somem
e não mais voltam onde parecia
que elas ou outras voltariam sempre
por toda a eternidade. Mas não voltam,
desviadas por razões ou por razão nenhuma.
É que as maneiras, modos, circunstâncias
mudam. Desertas ficam praias que brilhavam
não de água ou sol mas solta juventude.
As ruas rasgam casas onde leitos
já frios e lavados não rangiam mais.
E portas encostadas só se abrem sobre
a treva que nenhuma sombra aquece.
O modo como tínhamos ou víamos,
em que com tempo o gesto sempre o mesmo
faríamos com ciência refinada e sábia
(o mesmo gesto que seria útil,
se o modo e a circunstância permitissem),
tornou-se sem sentido e sem lugar.
Aonde e como? Aonde e como? Quando?
Em que praias, que ruas, casas e quais leitos,
a que horas do dia ou da noite não sei.
Apenas sei que as circunstâncias mudam
e que os lugares acabam. E que a gente
não volta ou não repete, e sem razão, o que
só por acaso era a razão dos outros.
Se do que vi ou tive uma saudade sinto,
feita de raiva e do vazio gélido,
não é saudade, não. Mas muito apenas
o horror de não saber como se sabe agora
o mesmo que aprendi. E a solidão
de tudo ser igual doutra maneira.
E o medo de que a vida seja isto:
um hábito quebrado que se não reata,
senão noutros lugares que não conheço.
JORGE DE SENA
Nunca o Poema é longo se tão belo.
Licínia Quitério
Notas:
1. Num intervalo do descanso, passei para vos deixar esta prendinha.
2. Foi com pesar que soube do encerramento do blog do Jorge Esteves. Penso traduzir o sentimento de muitos de nós ao afirmar: "Amigo Jorge, sentimos muito a falta da inteligência e da generosidade do seu unicórnio azul. Que seja muito feliz no mundo real e, se puder, volte a esta esfera onde tão boa companhia nos fez. Um grande abraço."
Licínia
16 comentários:
obrigada por interromperes o descanso pensando em nós...
um abraço apertadinho
Obrigada pela prendinha. Que bom pensares em nós nos teus lugares! Continuação de boas férias.
Deixo um beijo.
Bela homenagem que fizeste ao Jorge Esteves com este poema de Jorge de Sena.
E bela partilha com quem aqui passa e se sente bem...
Continuação de boas férias.
Beijinhos
querida licínia,
que boa surpresa ler um post seu, não sabia que já estava de volta e fico muito contente
compreendo que se trata de uma dedicatória muito especial e por isso limito-me a deixar um grande beijinho para si
bom fim de semana ;)
alice
Olá vizinha que bela prendinha.
Em relação ao Jorge Esteves também sinto imenso a sua falta, tenho pena não saber porque encerrou o blog...
um beijinho.
Este poema tocou-me de um modo especial, agora que quero voltar à terra que me viu crescer e amadurecer em visita de saudade...
Será mesmo assim que me vou sentir?
Já nada será como dantes, nem a paisagem?
Quanto ao Jorge Esteves, estou contigo, Licínia! Tenho saudades do seu blog muito especial, como eram também os seus comentários nos nossos...
Se ele vier aqui ler...
Então Jorge, quando voltas?????
Boas férias para ti Licínia!
Bjinho
muito bonito esse poema. ótima escolha!
também fiquei triste com o blog desfeito do Jorge Esteves. Sentiremos falta.
Um grande beijo,
Hortência
um bonita prenda : "não é que ser feliz acabe/quando se aprende a sê-lo com bem pouco..."
bom descanso.
Obrigada pela partilha.
Junto-me ao coro dos que se sentem mais pobres com o encerramento do blog do Jorge Esteves. E o pior é que não há outra forma de lhe fazer chegar o apelo. Há faltas que se sentem.
Beijinhos e boas férias para ti.
querida licínia,
veim reler o seu post e dar-lhe um grande beijinho
faz-me muita falta!
tudo de bom e até breve,
alice
Minha Cara Lícinia
Quero dar-te os parabéns por esta escolha deste poema absolutamente tocante do nosso Jorge de Sena.
Beijinhos
Dafne
ALICE,
Vim espreitar e encontro a tua casinha de porta fechada. Que se passa? NÃO PODES ir embora!
Fico à espera.
Beijinho.
Licínia
Um olhar pelos poemas e pelos textos.
Fica bem.
Manuel
beijinhos, boas férias e traz inspiração.gosto muito de aqui estar!
querida licínia,
não me fui embora, amiga ;)
venho sempre aqui visitá-la, sim?
agradeço todo o seu carinho ;)
um grande beijinho,
alice
(perdoe o link vazio, por favor)
Grande poeta, grande intelectual e grande homem!
É lamentável que quase não se fale deste grande senhor!
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