
Sentir
a doce primavera
no abandono da parede nua.
Saborear nos frutos
o segredo da lua.
Lavar as mãos no rio
e perceber na água
a cicatriz do frio.
No rosto
a palidez de um sonho
ainda por sonhar.
O veludo de mãos
a tactear o corpo
esquecido de acordar.
Um arrastar de passos
na rua que não há.
Tão longe a dor
no tempo de retiro.
Em vez do gelo o vinho,
em vez do ferro o copo,
em vez da briga a festa.
Na mesa posta
da embriaguez,
a ternura servida
e convidado o riso.
Silenciado o grito.
Tão longe a dor.
Quem dera no infinito.
Havia dias em que não aguentava o peso daquele arremedo de vida cheia. Esperavam dele o que nunca alcançara. Só sonhara. Cercado. Era como se sentia. Diziam-lhe como és importante e achava-se uma minhoca. Pediam-lhe esmolas e era ele o mendigo. Batiam-lhe palmas e só queria afagos. Pedia amor para aprender a amar. Cansado de dizer ternura como quem diz eu queria. Tentava uma saída. Era quando o descobríamos, à beira de um vago abismo, embriagado pela leitura de um livro, a gola levantada contra o frio, retirado do ruído do mundo que lhe estoirava a pele.
Licínia Quitério