como uma pena
deixas a ave-mãe e oblíqua voas
por vezes hesitante por vezes saudosa
vejo-te arrepiada mas não fria
ainda não cansada não dorida
mas ao sabor dos ventos dominantes
fazes-me pena agora
apenas pena
à espera de repouso numa ave
que te embale sem nada perguntar
Penas como tu assim perdidas
escondem as falas na dobra do olhar
Desejos de partir. Quem os não tem? Deixar a moleza do berço, dizer adeus à casa, guardar na trouxa o respirar das ervas do quintal, a cantata de vozes amigas, uma mão-cheia de luz da janela do quarto e nada mais. Fazer-se vaga-mundo. Declarar, pela primeira vez, como gosto de ti, minha Senhora Vida. Seguir, subir, subir. E sorrir, sorrir muito. Sentir o corpo igual à terra e ao ar. Esquecer que há ganhar e perder.
Poucos o fazem. Medo de regressar. De não achar a aldeia. De nunca mais as suas falas serem percebidas. Guardarão no coração para sempre a pena de terem ficado. Por medo de outras penas.
Licínia Quitério
21 comentários:
Uma ladaínha/oração com desejos entrançados e perdidos. Há muito, mesmo muito tempo, que me sinto ilha. E cada vez mais me custa ir a terra. Bjinho
pena
que pena as penas
de tanto penar
não sejam dezenas
ou até um milhar
para eu voar.
pena...
Lia relia, tirava uma pena ali, acrescentava outra acolá. Mas por mais que se esforçasse, a música das palavras não batia certa; ou pelo menos como ele imaginava que a música das palavras se devia fazer ouvir.Lembrava-se agora que alguém mais experimentado e vivido, o tinha aconselhado que os altos voos apenas se devem tentar depois de muitas horas de treino e que a música que a asas fazem ao bater devia ser tocada com convicção. Balelas, pensou. O que lhe faltava mesmo era muitas penas. Milhares e milhares delas e então sim, as palavras elevar-se-iam pelos ares, ora em voo picado, ora planando, ora em acrobáticos loopings.
Estava decidido. Amanhã, pela calada da noite, iria abastecer-se ao Aviário do Freixieiro.
beijinhos e uma óptima semana!
Romper e partir está ao alcance de poucos.
Nunca se chega a um grau zero para retomar um novo rumo; quase sempre é incerta a tenacidade de uma nova arrancada; o desconhecido e incerto assustam...Por isso poucos chegas e a maior parte nem chega a partir.
:)
Muito belo. O dueto.
Desejos escondidos, quem não tem?
um beijo
este legível é extraordinário, não concorda licínia? vim desejar-lhe uma boa semana. gostei muito do post. um grande beijinho. alice.
Admiravel este jogo de penas. Não é fácil a largada quando é incerto balanço entre o que se dexa e o que se alcança
Escrita cerebral e ao mesmo tempo emotiva, como sempre
Um beijo amigo
Tudo muito bom, como é usual em ti. Particularmente marcante desta vez, para esta tua leal admiradora, a última estrofe do poema:
"Penas como tu assim perdidas
escondem as falas na dobra do olhar".
Absolutamente lindo, Licínia. Como conseguiste desencantar estas palavras e juntá-las num conjunto harmonioso que exprime exactamente uma verdade? Esta verdade...
Um beijo, poeta.
E o sonho repetido de nunca partir,
por ser caminho construído nas pegadas dos que partem?
Já perguntaste ao caminho o que ele acha de si mesmo?... ou dos que desvirginaram as suas manhãs?
O teu poema... ah, o teu poema!!!
Um beijo, amiga.
Ladino não queria deixar o ninho. Não fora a mãe e o primeiro voo não seria feito tão cedo. Deixar o ninho onde se sentia seguro, protegido de tudo e de todos, não era tarefa fácil.
Um dia arrepender-se-ia de não ter partido!
E o voo lá foi feito em segurança, com todos os cuidados.
Beijinhos
Na láctea via-se penas. Também o pó das estrelas e as penas, encharcadas de poesia. As penas que por ali se via sinalizavam um caminho, um sítio, um poema: o sítio do poema.
Somos as nossas contradições. E essa (a que nos faz oscilar entre o desejo de partir/voar e ficar no que nos é conhecido) é uma das constantes da vida. Uns partem (voam?) outros ficam. Como saber quem faz a opção certa?
Tudo isto a propósito desta maravilha de poema/texto. **
É bom ter a possibilidade de ler bons textos e quando aqui venho consigo ter sempre esse privilegio.
Consigo sempre transportar-me para algo que me diz algo ,que me faz recordar a eterna criança que mora em mim, e como dizia o nosso grande Pessoa:
"Felizes a quem acena
Um lenço de despedida
São felizes teêm pena
Eu sofro sem pena a vida"
Até Breve
SE DEUS QUISER
compreendo-(te). já o poeta maior (Pessoa) dizia "viajar à volta do quarto". e saudades (ou serão penas?) vamos colhendo das viajens (in)imaginadas...
belo sempre, o que aqui se lê!
Belas palavras....
Sai busca da liberdade, da libertação das amarras de minha alma, me senti por muito tempo presa e com sonhos de libertação do meu eu, e fui ao meu encontro..e confesso tudo o que vivi e aprendi foi indispensavel para o meu desenvolvimento pessoal.
Sou nova por aqui, mais ja algum tempo leio os seus posts e gosto muito.
Abraços
Querida Letícia,
Quando eu saí daqui,
Já estava pronta a viagem,
Meu peito cheio, a bagagem,
Não quis falar nem te ouvir.
Quando eu sai de ti,
Foi como um parto tão facil,
já estava fora a cabeça,
Num dia tão luminoso.
Um beijo
Naeno
Quisera tivessemos penas e a nossa perspectiva do que nos rodeia seria mto mais abrangente! Assim, limitamo-nos a voar no pensamento, e alguma criatividade que nos povoe como tão bem é sempre evidenciada aqui.
Bjs
TD
Olá Licínia, bom dia. Há já muito que nãoo passava por cá e como sempre me maravilho! gosto muito do que escreve.
Realmente, quem não tem ganas de partir, pelo menos uma vez na vida...
Quanto à dor, crescer é isso mesmo:-aprender a dor!
Um beijo enoooooooorme da
Maria Mamede
Penas como tu assim perdidas
escondem as falas na dobra do olhar
..............
Muito bonito.
Bem recomendado.
Um poema lindo! Um texto a condizer. Um casamento perfeito do texto narrativo com a poesia.
Boa escolha. Bom momento de leitura.
Há o ir mas garanto que voltarei. Sem medo. Com muito gosto.
Beijinhos
Penas, dizem, são sortilégios. Cantam-nas e sofrem-nas os poetas na indiferença de todos os voos, de todas as asas que...'como são leves, suaves, as penas que Deus lhes deu...'
Afectuosamente
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