8.1.07

PIEGUICES


dizer
o teu olhar

assim como quem diz
o tamanho da nuvem

ou o peso do vento

ou o contorno breve
da alegria


as tuas mãos

como falar dos peixes

em lagos de frescura
ou dos arados

na quentura dos dias

a tua voz

a cantar no silêncio

das cordas do violino

antes do arco


dizer-te
na lonjura
inteiro nos meus passos

como se fosses música
como se fosses luz

como se fosses força

como se sempre fosses


Piegas, como já não se usa. Acocorada, a fotografar um pequeno lago de jardim há muito necessitado de limpeza. Explicou:

é a Vida. pequenos frutos selvagens que ninguém quis comer. folhas cansadas das árvores. seixos atirados por crianças marotas. musgos. larvas. um fervilhar dos fundos a explodir à tona. águas antigas, sábias. já aqui nadaram peixes vermelhos. se pudesse, guardava tudo isto num livro que foi meu.

E riu-se. Parecia contente. Aquela cabeça! Não acaba bem, não.

Licínia Quitério

24 comentários:

Maria Carvalhosa disse...

Quais pieguices, Licínia!...

Poeta, Poeta a sério é o que tu és!

(Quanto mais te leio mais quero ler-te).

Beijo sentido.

jorge esteves disse...

(...)Senhora, que vos passa pela cabeça quando pensais na Vida, perguntou-lhe; sem desfitar o lago ela respondeu-lhe: Nada! A Vida é apenas a sombra de um sonho fugaz! (...), em 'Fora da Solidão' de Olavo Caro.
Será?...

António Melenas disse...

"a tua voz
a cantar no silêncio
das cordas do violino
antes do arco"...
na alma do violino, talvez...
A tua escrita é luminosa,
assim deves ser tu
Um beijo

Vasco Pontes disse...

Olá licínia,
Agora sou eu eu que não consigo fazer a ligação entre o texto e o poema. Porém,gosto do poema, perfeito no ritmo, muito elegante no tratamento do tema (e nada piegas). Não acho que a sua qualidade seja inferior à do texto, mas o texto tem algo, os teus textos têm tido algo de surpreendente e de comovente que os tornam especiais.

Vasco Pontes disse...

ui! Beijos :)

Isabel disse...

Vivam as pieguices feitas palavras.


Vivam as palavras feitas poema.


Vivam todos os poetas piegas verdadeiros ou fingidores...

Vivam todas as poesias com pieguiçes e sem pieguiçes.

A ti que és poeta, obrigada, muito obrigada.

Até breve.

Isabel

aquilária disse...

a observação poética das "pequenas coisas", á superfície, que nos encaminham para outras Vidas, "fundos fervilhantes".
abraço-te, na memória dessas águas de outrora, tingidas de peixes vermelhos.

Cusco disse...

Acocorei-me e espreitei melhor. No fundo do lago uns olhos de poeta, expressivos e amendoados fitavam-me: eram os teus. Emocionado desviei o olhar..

GTL disse...

Ah Licinia, que força colocas nas palavras.
Beijos
MDB

Manuel Veiga disse...

... e por entre tantos fragmentos de vida uma verdadeira pérola!

gostei de te ver "piegas". excelente.

vida de vidro disse...

Gosto desta pieguice. E também tenho fotos de lagos de água suja. Manias... :)**

Anónimo disse...

querida licínia. assim à primeira vista. não vai dar por nada. muito me honrou a sua presença. as suas palavras. fica lá tudo gravado. e na minha "memória" também. ai seu eu pudesse pestanejar aqui... um grande beijinho. grande grande *

Alberto Oliveira disse...

... são as melhores cabeças; aquelas a quem se futura "que vão ter um mau fim", que "não acabam bem".
As que "saem da linha", que "se revoltam". As que que "não se acomodam", as que "pensam por si, pensando (e agindo) nos (pelos) outros". As que "se apaixonam perdidamente", que "afagam flores", que "sorriem e choram", que "não se esquecem de também ser crianças".
"Pieguices"? venham mais destas.


Óptima réplica lá no "Fantasias" que anda um pedaço com falta de tempo, mas lá se vai arrastando (risos).

beijinhos.

JPD disse...

Gostei muito do poema.
Acrescento ainda com satisfação os breves e muito acertados contrapontos com um outro texto.
:)

Flor de Tília disse...

Gostei do poema. Gostei do texto em prosa.Pieguices fora de moda? Acho que estas nunca o estarão. Beijinhos

Rui disse...

De tão cansada, já a água nem saltava, bem no centro do pequeno lago. Limitava-se a cair. E só porque sabia que os pássaros que pousavam nas árvores à sua volta, gostavam de ver os círculos concêntricos que desenhava.

M. disse...

Fica-se tão bem com as tuas pieguices, Licínia! Tão belas as tuas palavras piegas!

gato_escaldado disse...

"a tua voz
a cantar no silêncio
das cordas do violino
antes do arco".

Invejo esta estrofe. Linda...

Beijos

Maria P. disse...

Pieguices! Jamais, beleza de escrita.


P.S. Não me considero fotógrafa,nunca, "disparo" para onde o coração manda e a alma sente.

Beijinhos:)

cuotidiano disse...

Dizer que adorei já não tem graça - mais vale " dizer o teu olhar assim como quem diz o tamanho da nuvem"

Um beijo

Kalinka disse...

SABIAS QUE...?

Iniciou-se a contagem decrescente para o lançamento do livro
«Que é o Amor?».

Colaborei com um texto da minha autoria, dedicado a todos que de alguma forma marcaram a minha Vida em momentos inesquecíveis, mas também a alguém muito especial que nasceu dia 7 de Fevereiro e que, por não pertencer ao Mundo dos vivos, guardo com muito Amor, na minha memória (minha Mãe).

É uma excelente oferta em qualquer altura, mas como se aproxima o Dia dos Namorados, será bom começarem a preparar as vossas encomendas quanto antes.

Beijos e abraços.

Estás convidada a espreitar!!!

Anónimo disse...

Seu blog é muito bom. Sua poesia de primeira. Tive atenção especial para Labirintos. Volto pra ler mais.

Anónimo disse...

Catapultado de um outro blog com recomendação expressa: "Segue o mapa. Encontrarás um tesouro."
Encontrei. Tua poesia: um tesouro.

Cleopatra disse...

dizer
o teu olhar


as tuas mãos

a tua voz

dizer-te

Vale a pena ler...
Gosto.

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