19.4.07

TRISTEZAS



Digo-me quando triste
e nas palavras ponho incenso
e deixo arder as velas
até queimar as mãos
No ar arrisco frases
que se vestem da textura dos crepes
e são ágeis como o corpo das medusas
capazes de bailar no mar
sem o tocar

Poderia dizer-me
ausente ou indiferente
como os olhos dos loucos
como os olhos da fome
mas tristeza não é fome nem loucura
Digo-me quando triste
e sei porquê


Nasceu ali sem se fazer anunciar. Uma plantinha minúscula, sem brazão. Não davam por ela. Inesperadamente, num dia triste de inverno em despedida, floriu. Como um floco de neve poisado no canto do degrau. A senhora da casa reparou nela, tocou-a num afago e passou a dar-lhe os bons dias. Jurava que a flor lhe respondia com um breve estremecimento. Resistente, a plantinha com sua flor de neve e olhinhos de oiro. A primavera chegou e ela ali, muito firme, muito serena, sempre discreta.Contou-me a senhora da casa como triste ficou no dia em que o degrau se sombreou de luto por lhe terem arrancado a companheira. Disse: Apeteceu-me chorar. Pudera! Quem não chora quando perde um amigo com olhos de oiro?

Licínia Quitério

27 comentários:

António Melenas disse...

Olá Licínia
È como dizes (só que tu di-lo tão bem) è sempre uma dor imensa perder algo ou alguém que se ama. Uma flor, um gato, um poema, uma pessoa
Beijinho
_______
Vejo que já recupersate o teu contador de visitas online e eu aprendi a recuperara o meu. Foi muitosimples. Cliquei duas vezes no teu, fui parar ao site que os cria e voltei a criar o meu

Ana Prado disse...

E mesmo que não sejam de oiro, os olhos...

Anónimo disse...

querida amiga. bem que pressenti um motivo para este silêncio... que outros olhos possam ver o que outros apagados já não beijam. um bom fim de semana e um beijinho *

vida de vidro disse...

Não, tristeza não é fome nem loucura. Os teus posts são um desafio á nossa capacidade de perceber a beleza das coisas simples da vida. Por isso te nomeei como "thinking blogger". Com todo o merecimento. Espero que aceites. **

Maria Clarinda disse...

Sim a dor é muito forte quando se perde uma amigo...e fica aquele buraco a doer....
Jinhos

esse disse...

Mas ela não o deixou assim, sem mais nem menos ... ele ainda não sabia, mas naquele cantinho do degrau, juntinho à parede, germinava uma vida e quando a Primavera chegasse, haveria de lhe mostrar os seus olhitos de oiro.

jorge esteves disse...

Pois é: diz-se, até, que se resiste mais fácilmente às vivas dores do que à tristeza. Mas, pensando bem, a vida não é triste: terá, com certeza, algumas (muitas?...) horas tristes. Mas, cuidado!, a tristeza; às vezes, vicia...
Abraços!

M. disse...

Ah os afectos ao relento!...
Gostei muito, Licínia. Os teus duetos que tão bem caem dentro de nós.

Diafragma disse...

Uma delícia.

Maria Carvalhosa disse...

Quando o sítio do poema se transforma em sítio de tristezas, deixas os meus olhitos (que não são de oiro) rasos de lágrimas.

Um beijo grande, amiga Licínia.

Carol Timm disse...

Licínia,

Como não se emocionar diante de tão delicada surpresa: a flor.

Beijos...

un dress disse...

das flores que nascem das pedras:

preciosas.

invisíveis.

APC disse...

"Digo-me triste e sei porquê"... Delícia poética.
E a florinha... que brotou selvagem e decidida, de um sítio escuro, sem se fazer esperar. Dir-se-ia alegria e é assim mesmo: de vez em quando aparece uma. Que no-la não arranquem!
Belo poema em flor!
:-)))

Era uma vez um Girassol disse...

Perder...nem que seja uma flor, é tão difícil!
História delicada, tocou-me...
Beijinho para ti, Licínia, minha amiga poetisa.

Páginas Soltas disse...

O sitio do poema...é paragem obrigatória!

Um bom fim de semana

Beijinhos da

Maria

Manuel Veiga disse...

há flores assim (e poemas) que nos tocam pela sua beleza. que mesmo na sua tristeza, louvam a vida. vibrantes de sensibilidade...

bettips disse...

O ser, de pequenas coisas feito. Bjinho

Amaral disse...

Terno e belo!
Uma história que vem duma forma de estar, mas que também nos abraça no aconchego que é sentir!
Uma plantinha, o floco de neve da vida...
Quando tristes, sem sabermos porquê, salta-nos o peito para a imensidão daquilo que somos...

JPD disse...

Bela edição!
Bjs

Maria P. disse...

Magníficas como sempre estas tuas palavras que se desdobram em sentimentos que muito nos tocam.

Beijinho Amiga*

Anónimo disse...

Boas palavras... deliciosamente... o gosto da poesia, deixo um abraço...

aquilária disse...

cara licínia,
para além da dor das perdas, falas-nos, também, da capacidade de celebrar a vida, mesmo quando ela se nos revela nas suas formas mais simples.
essa flor que tu quase humanizas quando dela falas, com os seus "olhinhos de oiro", iluminou, por um tempo,um outro existir.

belo poema, prosa terna e sensível. um dia, pétalas perfumadas hão-de nascer das tuas mãos.


deixo-te um enorme abraço

agua_quente disse...

Dizes-te quando triste de uma forma tão sensível e delicada que nos preenches a alma com a certeza dos pedacinhos de alegria que a vida tem.
Beijos

Anónimo disse...

Tão verdade! Cheias de ternura as tuas palavras belas. Beijos.

Alberto Oliveira disse...

Olhar para o canto de um degrau, reparar numa simples planta e recriar o que vem a seguir, descrito neste post, parece tão simples não é?

Mas porque sei que não é (e porque ainda lhe acrescentas tudo o que de melhor há em ti) me dá tanto gosto vir aqui e ler-te. À séria. Que eu também sou capaz de falar sem me rir.

beijinhos.

mariabesuga disse...

olha como tantas vezes uma coisinha tão simples faz a alegria!
depois, a tristeza, sabemo-la assim, também de coisas simples...

Bjo em ti

Klatuu o embuçado disse...

Bela combinação de prosa e poesia.

Dark kiss.

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