Soltamos a âncora e largamos as velas
onde está escrito o mar
É urgente partir e demandar novas areias
Acostamos e caminhamos descalços
sobre o pó de pérolas antigas
Se for preciso adormecemos encharcados
de sol e de intraduzíveis murmúrios
Depressa nos cansamos do ardor na pele
do cheiro intenso das algas ressequidas
das grinaldas da festa fora da nossa aldeia
Faz pouco que chegámos e já os nossos braços
pedem o porto a estrada o abrigo
o minúsculo ponto de partida aonde é urgente chegar
e ancorar e projectar viagens
até areias novas algas secas e grinaldas de festa
que nos trarão saudades da aldeia
É ainda um menino, aprendendo a servir as mesas dos homens e das mulheres e dos meninos em férias. Nervoso, afastando a melena escura do escuro do olhar. Senti que queria entrar na conversa. Fiz-lhe perguntas vagas. Agarrou-as com avidez e desatou a falar. Dele. Do pai que tinha ido embora. Da mãe que o tinha tirado da praia. Da escola que o tinha roubado ao mar. Diz Mar como quem diz Vida. E ri baixinho, provocando o sobressalto dos ombros. Agora que lhe tiraram os barcos, sonha com outros nomes. Diz Luxemburgo, Espanha, Andorra. É por aí que passará o futuro, depois de concluído o curso de mecânica. Já se vê na "estranja", a família reagrupada, ele no seu carro, comprado com o seu dinheiro. Ele que tenta explicar-me o que é "passar a noite no mar", abrindo os braços em leque e fechando os olhitos como homem que falasse de corpo de mulher. Viagens fará este menino. E, sempre que puder, voltará para se sentar na sua praia, esperando o barco que o levará de noite ao mar. Dei-lhe um beijo, por despedida. Não se mostrou surpreendido. Deu-me um sorriso bonito e apressou-se a levantar os pratos sujos.
Licínia Quitério
14 comentários:
Gostei tanto, Licínia!
Onde está escrito o mar
BELO
que bom soltar amarras. num beijo (im)possível! ou num sorriso à beira-mar...
... como demanda e regresso ao porto de abrigo!
excelente, como sempre!
É lindo.
Beijinho*
como dever ter sido bom esse momento...! :)
senti-o profundamente (ins)scrito na tua alma...!!
beijO.licínia*
Que resta aos nossos jovens senão partir? Procurar uma vida melhor, outro país de acolhimento.
Porque este, em vez de acarinhar e apoiar os jovens só engorda a classe política...
Adorei o poema e texto, uma doçura e ao mesmo tempo mostrando uma dura verdade.
Beijinho
O desejo do mar... e as muitas partidas. Belíssimo.**
... estas viagens com meninos-homens a agarrarem-se ao mar com quanta força ainda não possuem fazem-me lembrar o retrato-de-família de um país que conheço desde sempre...
... de partidas, retornos e imensas e salgadas saudades mesmo quando viajamos cá dentro. Ah! e queres lá ver que me esquecia do canto sedutor das sereias?
Beijinhos.
E VAMOS DE FÉRIAS !
FÉRIAS !
NÓS QUE AMAMOS PRAIAS E ALGARVE !
BEIJOKAS
D. MARIA E TAMBÉM O COELHINHO
(vamos os dois)
Ler-te é, sempre, um prazer imenso.
O poema é lindíssimo. O conto do menino que foi roubado ao mar, uma verdadeira pérola.
Se soubesses como gosto do que escreves!... (ficarias a saber que sou mais uma dos teus muitos admiradores fervorosos!...) :)
Beijos.
O desejo constante do ser humanoser ele mesmo no seu "eu" e não um protótipo,aquele mar sem linha de horizonte...
Bom fim de semana
Bjs Zita
Que vida poetada por ti! ...e que bem o fazes, em verso ou barra lilás, em areias de praia e mar- longo-abraço. Como nos dá uma saudade de repente dum sítio...de poema. Bjinho
Mudaste-lhe as roupagens por causa do Verão?
Olá, Amiga,
obrigado ela visita e pelo comentário.
Eu agora passo pouco por aqui e por outros lados. A saude é pouca, a dispoisição é fraca e a vista é péssima,
Irei passado, por que, de vez em quando. pois só perco se o não fizer
beijo
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