Aproveitando a nesga do silêncio,
sentamo-nos no prado verde-luz
e varremos o céu com olhos de água.
No entrelaçar dos dedos magoados,
aprisionamos desejos de regressos.
Ofertamos os ombros à neblina,
o gosto de gengibre pela boca.
sentamo-nos no prado verde-luz
e varremos o céu com olhos de água.
No entrelaçar dos dedos magoados,
aprisionamos desejos de regressos.
Ofertamos os ombros à neblina,
o gosto de gengibre pela boca.
Por vezes acontece um fim de tarde assim -
a sombra do salgueiro a afagar-nos a nuca,
o sono de menino a embalar-nos o colo.
Tão breve, tão breve este sangrar do dia.
Não foram aqueles parêntesis curvos a enquadrar-lhe os cantos da boca e dela se diria uma jovem mulher. Chegou sozinha, transportando na cintura o requebro de ladear os ventos. Era alguém sem pressa, já sem pressa, posso dizer. O andar encaminhou-a para a relva fresca. Um velho choupo ofereceu-lhe o tronco erecto, afirmativo do labor das seivas. Nele apoiou um ombro e logo a cabeça e logo o braço a procurar o quanto podia alcançar da impávida figura. Provavelmente, foi o tremeluzir das cores da tarde que lhe trouxe aquela estranha vertigem. Quem passou pressentiu um desacerto na mulher. À pergunta: Sente-se bem? respondeu baixinho, com um sorriso a acentuar a curva dos parêntesis: Sinto. Tenho uma flor no cabelo. Há tanto tempo não acontecia...
Licínia Quitério
21 comentários:
Suas palavras encantaram-me. Por vezes nem percebemos o que nos acontece e ficamos meio que ausentes ou enfraquecidos com tanta beleza.
Beijos de Sol e de Lua.
Olá!
Gostei do poema e prefiro a prosa.
Qualyer deles excelentes.
Bjs
FORÇA NO INDIZÍVEL
Bonito, principalmente a prosa, que para mim é poesia.Gostei. Já não é a primeira vez que a leio.
Eduarso Aleixo
Delicado, sublime...
Minha querida Licínia, espero que estejas também a concorrer para a" Caneta de Ouro"!!!
Vai ser renhido, com tanto talento na blogosfera.
Quanto ás saudades, minha querida, como amarfanhá-las, como fazê-las desaparecer? Já tentei...
Mas o chamamento é forte e quando arranjar companhia, vou!
O problema é que a maior parte das pessoas que lá estiveram não querem voltar...Outras não andam de avião..O pescador não está para aí virado...Ir sozinha não é seguro.
E a malvada saudade vai aumentando dia a dia...
Beijinhos
Um frémito de uma pequena oferta do tempo, sensitiva. Com as tuas palavras, sentimo-lo como nosso. Bjinho
Olá, Licínia. Resulta muito bem a junção dos dois textos. Confesso que o segundo me emocionou bastante. Obrigada pelo momento. Um beijo.
- sinto...
pralém da flor que vês
no meu cabelo há um morango
invisível
a escorrer
devagar
no lugar mais
térreo do peito
...
beijO :)
Tão expressivamente belo!
Belíssimo, Licínia! Belíssimo! Comovente.
pouco mais sobra
/ que a flor arrabata...
beijO
Abraçada pela árvore - que, afinal, era isso que naquele relvado acontecia -, de sorriso rasgado, julgou ouvir um coração. O sorriso esmoreceu e o abraço fraquejou, na dúvida sobre outra presença. Olhou em redor, mas nada viu.
De novo abraçada pelo choupo, o mesmo ritmo a entrar-lhe sentidos a dentro. Um coração, sem dúvida. Apurou a intuição e fechou os olhos, encostada à árvore. Sim, um coração batia dentro ao álamo.
A felicidade que a tomou não a deixou perceber o pica-pau que, por cima da sua cabeça, acabava de levantar vôo.
Texto muito exprerssivo e belo,um estimulante para um fim de tarde em Agosto.
Bjs Zita
ninguém viu mas, na tarde sem vento,sem a mais leve brisa,
logo depois da mulher ter proferido essas palavras, a sombra das folhas do choupo teve um estremecimento muito breve. dir-se-ia um suspiro de uma invisível presença.
abraço, licínia
Acontece
que o que nos é dado ver,
o nosso olhar esquece
ou tarda em perceber.
E é assim tão difícil
entender uma flor?
Pareceu-lhe então escutar ao longe "if you´re to San Francisco... "
beijinhos.
:)
*
buscou nas palavras o tom preciso
para o descompasso do coração
*
na tarde desmaiada
o brilho nos olhos a segurar o dia
*
repousou no seu colo
a sombra da árvore fatigada
*
a flor no cabelo floriu a árvore
que há muito desistira de florar
*
**
***
Licínia, em meio a uma trabalheira que parece não ter fim – tuas palavras, oásis de doçura... ladeado por outras tantas palavras d’alguns poetas que continuo a visitar, embora raramente deixe comentários.
Grato, de coração.
Um abraço fraterno.
batista (filho)
Olá irmã,
Belo texto, sim. Mas para o poeta é o poema que manda mais, que vem primeiro.
Beijos
... "tão breve,tão breve este sangrar do dia". carpe diem...
tão bela essa flor nos cabelos!
Querida Licínia,
É tão especial ler os teus poemas e as tuas "prosas a azul". Quanto mais te leio mais gosto de te ler. Sei que é um fenómeno generalizado, a avaliar pelo número de leitores assíduos que tens e que se sente ficarem, como eu, sempre suspensos das tuas palavras e à espera do próximo post.
Beijos, linda poeta, linda mulher.
Comovi-me muito com o texto. Tão bonito e triste e frágil, esse desejo de regresso perdido no tempo...
Enviar um comentário