12.2.08

ERA UMA VEZ



Era uma vez... Assim o princípio do mar do encantamento. Uns olhos que se agarram à pele das palavras, escorregadias como tiras de algas. Uma voz a ondear na praia a que os ouvidos acederam. Um esvoaçar de mãos quase quase a aflorar o bater dum coração ansioso. Era uma vez... Assim se convoca a gota de mel ou o minúsculo cavalinho voador ou a menina de capinha vermelha ou a fada-passarinho tão leve tão leve a poisar na agudeza dos ramos do pinheiro alvar.


É urgente inundar de histórias os salões. A crueldade fez estragos nos olhos do sultão. Farto de virgens por uma noite, que o sangue delas, novo e quente, não logrou refazer o rasgão na tela do seu peito. Que volte Sherazade. Com outros véus, acrescentada de saberes e engenhos, com mil vozes por dentro das palavras, serena e digna, recuperada das infâmias, de ventre fértil e infinito canto. Liberta o sultão da sua raiva, suspende a degola dos inocentes, estende até nós o tapete mágico das palavras criadoras. Tu sabes, Sherazade, andam tão tristes os salões...



Licínia Quitério

14 comentários:

Graça Pires disse...

"É urgente inundar de histórias os salões".
Talvez no olhar do sultão nasça a estrela da manhã e voltem os dias do mel e do trigo...
Lindíssimo o teu texto Licínia.
Um beijo.

Maria Laura disse...

É urgente deixar a magia das histórias e da sabedoria de quem as conta faça voltar a alegria. Sempre a magia venceu as trevas.

Manuel Veiga disse...

sem dúvida. que volte Sherazade.
o(s) Ali Bá Bá perderam qualquer interesse...

excelente.

M. disse...

Nas tuas palavras belas se pressente o desencanto e o desejo de histórias mágicas. Que elas se oiçam e mudem o nosso mundo.

Joana Roque Lino disse...

pois andam, Licínia, despidos de sorrisos... de Vida!

batista disse...

Nessa nova idade das trevas rediviva, onde a mediocridade tenta engolir por inteiro a magia, dou-te razão ao proclamar: - “É urgente inundar de histórias os salões.” Histórias que mantenham viva a humanidade dentro dos homens. Histórias de poesias impregnadas, que ao serem ouvidas, lidas, percebidas – despertem o sol do encantamento sem o qual nos tornamos frios, insensíveis.
Um abraço fraterno.

un dress disse...

tão tristes tão alheios tão loucos

as veias

abertas

nu desenho

rumo ao osso...

© Maria Manuel disse...

tão encantatório o teu texto, Licínia...

jorge esteves disse...

Mil e uma vezes tristes, os salões...

abraços!

Marinha de Allegue disse...

Un texto ben fermoso e feiticeiro...

Unha aperta.
:)

Mar Arável disse...

De acordo

é preciso

dizer mais que os olhos veem

é urgente dizer

dos sonhos acordados

Manuel Veiga disse...

beijo.

Alberto Oliveira disse...

... concordo absolutamente contigo. Sherazade demora tanto a regressar que dá ideia que faltam ideias a quem lhe devia dar voz. Mas não deve ser por aí... que os criadores andam mais voltados para as realidades do quotidiano e viraram (ah! estes brasileirismos... ) cronistas do social ou fazedores de opinião*. Sempre se ganham mais uns patacos e a visibilidade é maior...

*Claro que são necessários e sobretudo nos tempos que correm. Mas são precisos tantos? e a repetirem a mesma "história"?

beijinhos e sorrisos.

Ad astra disse...

este texto está lindo Licinia
Gosto mesmo destes teus blogues e passo por aqui muita vez mesmo, embora em silêncio

...por onde andam os sonhos?

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