7.8.10

VOLTAR


Uma aflição, uma corda de baloiço prestes a rebentar, os cachos das glicínias longe daquela mão, os olhos a lavarem-se no rio, assim serpenteando, debruçados na varanda que o tempo não levou. 
Uma dor sem lugar, a pairar, a espiar o vinho cor de sangue e o copo antigo e o corpo antigo e a varanda e a beleza cruel de tão intensa a calar a palavra, a suspender o gesto. 
A lua, cor do fogo, por entre os ombros da distância, subindo, enorme, lanternim da noite, balão liberto do cordel, senhora das penumbras, alumiando passos caminheiros que o dia pôs na serra e se perderam.
Voltar é esta força de calar os vidros sob os trilhos, ouvir os risos nas escadas e o chiar das portas e o saltar da rolha da garrafa.
Voltar é brindar, a mão a mesma, o copo igual, o vinho cor de sangue, a estilhaçar o inquebrável coração.
É preciso voltar dos ombros da distância, ser fogaréu na noite, chamar-se lua e subir e subir até ao fim da dor, até ao novo dia.



Licínia Quitério  

9 comentários:

M. disse...

Sim, Licínia. E mais não digo porque o melhor é calar-me.
Beijinho

Justine disse...

É isso a resistência. É isso a vida: sorrir "à dor sem lugar" de coração aberto e copo na mão...
Texto belíssimo, pungente.

Maria disse...

Sempre com dor. Mas com um sorriso de confiança. E um copo na mão pronto a brindar...

Beijo.

Graça Pires disse...

Lavei os olhos no rio e voltei a ser criança. Obrigada.
Um beijo, Licínia.

Lídia Borges disse...

A dor que se faz paisagem, nas paisagens de nós.


Muito bonito.

Anónimo disse...

Fixo um olhar
na distância das vossas vidas.
Amigamente me sinto, me sento
ao lado.
B

Mar Arável disse...

Memórias

à pergunta de amanhãs

Bjs

Rui Fernandes disse...

dizes que é preciso, Licínia. sei lá se é preciso!? desde que me conheço me dizem que "é preciso". e me monto sobre os ombros da distância para me arremessar pequena chispa que se extingue no nenhures.por isso, pergunto como as crianças: "é preciso... porquê?". ou farei, apenas, como a Bet, amigamente sentindo-me, sentando-me nas margens do teu rio ao vosso, nosso lado, copos vazios e corpos gastos, a calar a palavra e a suspender o gesto. beijos, beijos, beijos. a amizade é precisa.

Manuel Veiga disse...

voltar dói sempre um pouco. de uma dor suave e tensa. como as cordas de violino...

admirável texto

beijos

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