21.9.10

SÓ O VENTO


Foto de aguarela de MANUEL ARRUDA, por atenção da Fátima.


Não é igual o chão e os pés que o conheceram estão cansados.
As casas resistiram até à nova idade. Ruínas foram de pobreza
e galhardia. Aguentaram firmes na espera do pintor que tinha olhos
e mãos para as saber. Outro o chão outras as casas outras as vozes 
ou ainda as mesmas, de memória vazia. Alguém dirá um dia:
era uma vez uma varanda e uma escada e uma casa e decerto
pequenas as histórias da pequena miséria da casa tão pequena.
Mesmo à beira da casa esteve a árvore que tudo soube e calou
e à terra entregou o seu saber de sol e água e choros de gente
que só ela ouviu. Os pés cansados no chão já não o mesmo
sentirão, na descida tarde, um rumor de seivas, um adejar sem
asas, um tactear sem mãos. Ramagens de outro tempo.
Só o vento ficou.


Licínia Quitério

11 comentários:

Benó disse...

E com o vento ouvimos doces lembranças.

Lídia Borges disse...

Nem só o vento!
A memória e a incerteza do chão...

Obrigada!

L.B.

Anónimo disse...

QUE MEMÓRIAS INTERESSANTES ME TROUXERAM QUER AS PALAVRAS QUER AS IMAGENS. BEM HAJA POR ESTE MOMENTO DEFUGA AO PASSADO.
isilda

sonia disse...

a casa...
uma presença tão forte em cada um de nós
licínia, adorei

Graça Pires disse...

Fica com o vento o declínio das árvores e das aves e as mãos desfocadas da memória.
Como sempre um belíssimo poema a agitar a nossa sensibilidade.
Um grande beijo, Licínia.

Mar Arável disse...

Excelente texto de memórias vivas

Nem só o vento ficou

ficaram as impressões digitais dos afectos que o vento não apaga
a pedra com vida por dentro

Bjs

José Carlos Brandão disse...

Tudo passa. As águas que me lavam a alma não são as mesmas águas de há pouco - nem eu sou o mesmo. Mas viver é belo: a beleza é vária.
O vento que fica é outro... mas não choremos: é o canto da vida.
O seu poema deica margem a muitas reflexões, a muitas sensações, principalmente, isto é, a muita poesia.
Abraço amigo.

Alberto Oliveira disse...

casas da nossa memória
memória voa sem asas
vai-se a casa fica a historia
a história das nossas casas.

(eis o exemplo do que se designa por "rima sem alicerces)

Abraços e sorrisos.

M. disse...

E aquela mancha vermelha sobre o que me parece ser uma varanda poderá talvez ser o coração que habita esta memória com delicadeza de aguarela.

Justine disse...

Belíssima a aguarela, belíssimo o poema que a ilumina e lhe dá mais significado!

Manuel Veiga disse...

ficou o vento e a "memória perfumada"...

assim saibamos tectear as "ramagens do tempo"...

belíssimo.

beijos

arquivo

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