4.6.15

HUMANO


Morres todos os dias. 
Nas bermas dos caminhos velhos, 
no papel manchado das cartas, 
no mofo das gavetas, 
no toque do abandono, 
no que ainda não sabes, 
no que já esqueceste, 
na fuga do desejo, 
no sabor perdido das amoras, 
no odor perdido dos amores. 
Morres e revives todos os dias. 
Quando o galo canta ao longe, 
quando chegam notícias de primaveras, 
quando as dores amortecem, 
quando um riso atravessa a planície, 
quando sobes à árvore com os olhos, 
só com os olhos, 
e os frutos te adoçam a boca. 
És isto, 
um corpo vivo 
a percorrer o domínio dos deuses,
implacáveis, 
insensatos, brutais, amáveis, serenos, 
misericordiosos.  
Deuses mortais, 
eternos. 
Humano és tu.

Licínia Quitério

1 comentário:

tb disse...

Morremos um bocadinho todos os dias, sim, minha amiga.
Gostei muito deste texto em jeito de reflexão, bem como da foto, que assenta que nem luva, nas palavras.
Um beijo

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