31.7.06

DAS ESPERAS

Rafal Olbinski - Espera

A buganvília secou.
Não esperou pelo solstício.
Duas vezes floria em cada ano.
Viu uma vez a neve
e decidiu que tinha visto tudo.
Desistiu.
Florir sempre também cansa.
Recusou beber a água fria
com sabor a terra e a animais
enrijeceu as hastes
despediu as folhas
e ao vento as entregou.
Quando vierem as abelhas
já não encontrarão a mesa posta.
Ficaram os espinhos e
as marcas na parede.
Não passou testemunho mas
a festa escarlate dos seus cachos
perdurará na memória das abelhas.

Levantou a louça da mesa, lavou-a e pô-la a escorrer. Ele foi sentar-se no sofá a ler o suplemento de economia do jornal diário. Esperou que ela viesse sentar-se ao lado dele. Anunciou: Vai começar a telenovela. Estranhou o toc-toc dos sapatos de salto alto pelo corredor. Tem o péssimo hábito de andar descalça. Vestida para sair. O saco de fim-de-semana ao ombro. Olhou-a mas não lhe encontrou os olhos. Só a voz: Não esperes por mim.

No bairro ganhou o nome de o Espera-a-Mulher. Na paragem de autocarro. O das dezoito e vinte e quatro. É ali que se encontram quando voltam dos empregos. Espera que saia o último passageiro. Ela às vezes distrai-se a pensar sei lá em quê e não repara que chegou ao destino. Amanhã voltará.

Aprendeu a lavar a loiça e pô-la a escorrer. Espera não voltar a ouvir o toc-toc no soalho do corredor. Já o alcatifou.

Licínia Quitério

11 comentários:

Manuel Veiga disse...

bugavilias assim, morrem de pé! como as árvores... gostei muito.

... e amores assim, nunca morrem!

Hortência disse...

Olá Licínia! Já voltou à ativa?
Por aqui uma nova frente fria, mas não fria como as que aí se enroscam. Gostei do poema!
um abraço,
Hortência

Flor de Tília disse...

Um poema lindo. um texto que o complementa numa sintonia perfeita.
bjs

GTL disse...

Te recordo como eras no último outono.
Eras a boina cinza e o coração em calma.
Em teus olhos pelejavam as chamas do crepúsculo.
E as folhas caiam na água de tua alma.

Apegada a meus braços como uma trepadeira,
as folhas recolhiam tua voz lenta e em calma.
Figueira de estupor em que minha sede ardia.
Doce jacinto azul torcido sobre minha alma.

Sinto viajar teus olhos e é distante o outono:
boina cinza, voz de pássaro e coração de casa
fazia onde emigravam meus profundos anseios
e caiam meus beijos alegres como brasas.

Céu desde um navio. Campo desde os cerros.
Tua recordação é de luz, de fumaça, de tanque em calma!
Mais além de teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas secas de outono giravam em tua alma.

Pablo Neruda

Gostei muito de passar por aqui, um beijinho grande ;)
MDB

Era uma vez um Girassol disse...

Deixo-te um beijinho e agradeço este belo momento de poesia e prosa.
Fazias falta...

Hortência disse...

Não sei se você viu, Licínia, mas, ao que parece, o Jorge Esteves voltou ao campo virtual em que escrevemos e trocamos idéias.
Beijos

M. disse...

Belo regresso, Licínia! Apreciei-o palavra a palavra. Belíssimo!

tb disse...

bem vinda minha amiga!
E que bonitas palavras/pensamentos vieram contigo. Gostei muito!
Beijinhos

Dafne disse...

Olá Licinia
Gostei muito do poema.
Um bom fim de semana

Um abraço,
Dafne

Flor de Tília disse...

é bom não deixar de pensar em férias. Gostei muito do teu blog.
Beijinhos

DE-PROPOSITO disse...

'A espera'. Pois é a própria vida é uma espera. E tu sabes o que nós esperamos. Alguns cansam-se de esperar, e, metem-se no autocarro, vão procurá-la.
Fica bem.
Um beijinho para ti.
Manuel

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