18.2.07

RECANTOS



Tudo me pede a escrita,

a fala, o canto -

A chuva, o luar, a seca,
o frio dos homens.
O alvoroço de longas mesas
de banquetes
ou o silêncio inquieto
das esperas.
A idade dos céus
ou o princípio das feridas.
Os abismos e as clareiras
na espiral dos dias.
Os sinais, os enigmas,
os mistérios dos caminhos.
O granito e o cristal,
o carvão e o oiro,
ou o sabor dulcíssimo
de um eco.

Tudo me pede a letra,
a voz, a música
e o gesto.

Pobre, tão pobre sou
que dou o que me invento
e sempre fica um resto
num recanto do tempo.


De mãos dadas é uma expressão de maravilha. Mãos oferecidas, recebidas, presas por vontade. Asim se passeavam as duas mãos, a dele e a dela, um cofre de afectos, de certezas. Os corpos ao compasso das mãos, seguindo os caminhos por elas traçados, sem que os donos de tal se apercebessem. Detiveram-se por momentos diante da moldura tomada por trepadeiras de campainhas em estridências de azul. Uma luz branca, teimosa, a devassar espaços onde as cores amorteciam, os contornos se esbatiam. As mãos deram-se com veemência. Quiseram segurar o presente, para que os seus donos mais fundo sentissem a verdade daquele recanto de um tempo ido.

Licínia Quitério

20 comentários:

Kalinka disse...

As tuas palavras são tão profundas e belas: Quiseram segurar o presente, para que os seus donos mais fundo sentissem a verdade daquele recanto de um tempo ido.

Ah...como isto é verdade!
Sinto-o na minha Vida.

Bom domingo.
Beijos e abraços.

António Melenas disse...

a fala, o canto -
A chuva, o luar, a seca,
o frio dos homens.
O alvoroço
O silêncio
das esperas.
A idade dos céus
Os abismos e as clareiras
Os sinais, os enigmas,
os mistérios dos caminhos.
O granito e o cristal,
o carvão e o oiro,
ou o sabor dulcíssimo
de um eco.

Intenso e belíssimo este poema
Faz-me lembrar Pablo Neruda

Tambémn nas "mãos-dadas" me agradou imenso,a associação que fazes entre ligar e ofertar, para além da poesia com que envolves a ideia
Um beijinho

Manuel Veiga disse...

privilégio meu que te leio em "virginal" leitura. e colho o orvalho ainda fresco da tua poesia. e na "espiral dos dias", saboreio o "sabor dulcíssimo" de teu eco.

Maria P. disse...

Um encanto o teu recanto, como sempre!

Beijinhos Amiga*

vida de vidro disse...

Porque tudo te pede a escrita... por isso te dás desta forma, aqui. Felizes, nós, que podemos usufruir desse teu caudal de beleza. **

isabel mendes ferreira disse...

"A idade dos céus
ou o princípio das feridas."





_______________"recanto" perfeito!





beijo.

M. disse...

Belíssimo este teu recanto. Ler-te é um aconchego.

Cusco disse...

A propósito de mãos:

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
(Manuel Alegre)

Bom Carnaval e até breve
SE DEUS QUISER

Teresa David disse...

As palavras impressionaram-me, mas a ramada florida que entra pela janela igualmente não me foi indiferente.
Se te lembras do Carlos dos jornais, certamente irás achar graça quando leres sobre a personagem da próxima história que um destes próximos dias irei publicar no blog.
Lembro-me vagamente da louca que falas, mas não o suficiente para a poder transformar numa personagem de história, pois estou a tentar falar de gente com a qual interagi de alguma forma.
Bjs
TD

RB disse...

Mais um dia difícil, como tantos que passaram, como tanto que por aí virão.
Um beijo, aqui deste lado

JPD disse...

Dois textos onde fulgura a generosidade e é acalentada a criação estética e a entrega.

O ambiente é de apaziguamento tão veemente na cadência das mãos (segundo texto) no vai-vém de uma tamanha amenidade.

Muitíssimo bom.
:)

Perola Granito disse...

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Deixo uma flor, um sorriso e um beijo

bettips disse...

Entre a arte da janela/janela com mãos acenando/poemas cruzados como dedos entrelaçados - regressa a palavra ainda, vivaz como flor. Bjinho

aquilária disse...

tudo apela à palavra mas, tantas vezes, é o gesto, no seu silêncio eloquente, que tudo retém e tudo diz.

um abraço grande

Rui disse...

E quando se soltaram, na verdade, permaneceram juntas, agora na memória.
Não tinham nada, chamavam-lhes pobres. Aparentemente. Porque tinham tudo. Um ao outro.

GTL disse...

Desafio - qual a frase mais estúpida que te foi dirigida?
In GTL

Maria Carvalhosa disse...

Querida Licínia,

Depois das tuas, deixas-me completamente sem palavras... apenas a deliciar-me com o que escreveste.

Um beijo.

esse disse...

A felicidade está na simplicidade de momentos...mas é grande a dificuldade em senti-la ... felizmente há pessoas como tu que não só a sentem, como a transmitem.

Beijinho

Anónimo disse...

boa noite, licínia. vim ler e cumprimentar a minha querida amiga, aproveitando ainda para lhe desejar um óptimo fim de semana. beijinho grande.

jorge esteves disse...

Um dia hás-de escrever na parede de todas as memórias...
'Cada poema que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesma furto à minh'alma...'

Abraços, amiga!

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