20.3.07

FLORESTAS


Que guardam as florestas pela noite?
Duendes, adivinhos, virgens loucas.
Repousos animais, leves respirações.
Olhares que só no escuro
se perdem da cegueira.
Molezas e frescuras vegetais.
Trabalhos lentos, exactos,
de operários incansáveis.
Cumprida a noite, as florestas
preparam as vestes matinais.

Com os cuidados de mulheres antigas,
com véus de névoa encobrem a nudez.
E, quando o novo dia as visitar,
estarão serenas, hirtas,
cobertas dos seus verdes radicais.
Duendes, adivinhos, virgens loucas
são agora invisíveis, impalpáveis.
Tornam-se seivas, agulhas, frutos altos.
Obedecem ao vento. São reais.


Um ar frio e húmido fazia-nos sentir os ossos. Passámos rente à floresta. Só rente, que para lá entrar faltou coragem. Uma luz tímida roçava as copas. Daí a pouco diríamos: Chegou o sol. Um bater de asas ergueu um grande pássaro. Vimo-lo poisar, por entre o nevoeiro, no que seria um ramo ou uma diagonal do quadro. Depois de nos aproximarmos, chamámos-lhe corvo. Negro a diluir-se na tinta acinzentada da manhã. Lá ficou. Parecia imóvel. Em mim se deu um estremecimento. Vi nele a sombra de um companheiro de outras viagens. Miragem de outras florestas que não de enganos. Foi decerto aquele ar frio da madrugada. A afastar lembranças, disse: Com um café quente isto passa.

Licínia Quitério

18 comentários:

Alberto Oliveira disse...

Bebeu o café quente e não passou.
o pássaro-companheiro continuava
quedo e mudo. Não voava nem falou.
Era de manhã e não de madrugada.
Talvez se pedisse aquele rissol...
pediu e de repente foi-se a floresta.
Estava no centro da cidade e havia sol.
Suspirou resignada. Não tinha sido desta...*


* que tinha ido à Amazónia


Beijinho.

Maria P. disse...

Se os ângulos das minhas fotos são bonitos, as tuas palavras são maravilhosas!

Beijinhos*

Alves Bento Belisário disse...

"Sonhas um livro de infância
Que te não é dado ler:
---------------------------"

M. disse...

No Dia Mundial da Poesia, está-se bem aqui.
Beijinho de Primavera.

vida de vidro disse...

As florestas são mágicas ou, pelo menos, nós vemo-las assim. Habitadas por espíritos que fazemos nossoa.
Como sempre, um texto fascinante. **

Anónimo disse...

bom dia, poesia neste dia só teu! e que este sítio tenha sempre um poema à hora do chã. adorei ler ;) beijinho muito grande, licínia. o alberto escreveu com sabadoreia. adoro ler tudo o que ele escreve. e a licínia merece tudo de bom. um abraço.

isabel mendes ferreira disse...

guardam talvez o aroma das tuas palavras. as florestas.



abraço. hoje. dia da Poesia!

luci disse...

correr a floresta.

ouvir a floresta.


a agudíssima

escorrência daS florestaS.

vivaS.

naS memória.

un dress disse...

que pouco as florestas

senão trilhos

nós

lamentos

emaranhamentos.

e sim.

a vaga promeSSa da

luZ...

Diafragma disse...

Que textos lindíssimos para celebrar a floresta. E não só.

Manuel Veiga disse...

gosto das "aves nocturnas" que habitam as florestas. e das tuas palavras poéticas que as esconjuram. tens o dom das feiticeiras!

Teresa David disse...

Esta dupla descrição da floresta até a mim me fez doer os ossos, o que é sinal do poder narrativo da autora.
Bjs
TD

Maria P. disse...

Maratona de Poesia em grande! Tive pena de não ir.

Bom fim de semana*

Espaços abertos.. disse...

As florestas envolvem uma atmosfera mágica,própria dos poetas.

Texto muito bem estruturado parabéns.

Bom fim de semana

Beijinhos Zita

gato_escaldado disse...

Que arrepio (de beleza)...

Beijos

Bernardo Kolbl disse...

Ora bom dia e bom domingo!

JPD disse...

Magia, é sempre um excelente indutor de quotidianos.
Bjs

Anónimo disse...

Eu que sou um homem da floresta poderia dizer aqui o que lá se passa durante a noite. Adivinhos e duendes nunca os vi, mas virgens loucas? Ah! isso garanto que sim.

O poema é lindo, Licínia e aprosa final é excelente. Temos aui uma escritora de mérito. Um beijo amigo de saloio para saloia..

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