27.11.09

DA AUSÊNCIA

 
Podia dizer-te da ausência como quem morde a espuma ou apunhala sombras e afastar um sonho enroscado no pulso. Pegar na espuma e nas sombras e depô-las na paisagem com a leveza que as aves ensinam.  Se eu caminhasse sobre os campos de neve e olhasse para trás e apercebesse um rasto verde de agulhas e um cheiro morno de incenso no altar da distância, quem sabe a ausência mais não fosse que uma garra cravada na garganta do inverno, dor provisória, amortecida, guardadora dos casulos da memória.


Licínia Quitério

14 comentários:

Maria disse...

Se assim fosse não desejaria mais invernos. Mas da ausência que te falo é para sempre, e só no mar profundo encontrarei alguma paz. Desta ausência.

Um abraço

maré disse...

poderia dizer-te que a memória é um bloco de gelo que derrete quando a noite se adentra.
poderia dizer-te que o altar da distância é promontório que veste de inverno o mais fundo da pele.
poderia dizer-te que se morre da ausência das aves.

______

um beijo Licínia

José Carlos Brandão disse...

A minha ausência na espuma,
na sombra apunhalada.
A paisagem leve das aves
e o angue no altar da distância.

Grande abraço.

Graça Pires disse...

A ausência é uma ave que leva na quilha do peito todos os sonhos e nos deixa com um mar imenso no olhar...
Beijos Licínia.

Mel de Carvalho disse...

Licínia,

poderia(mos), porventura, rasgar as savanas com cordas de gelo e ainda assim não seriamos capazes de ir mais além sobre o tema que a Licínia foi nesta sua "pequena" ENORME prosa-poética.

Sempre um prazer vir lê-la. Bem-haja.
Um beijo fraterno
Mel

Justine disse...

Pungente e belíssimo,o teu passeio pelas paisagens áridas da ausência definitiva...

Alberto Oliveira disse...

«Aposto que não és capaz de repetir o que acabei de te dizer. Calas-te, não é? pois o que haverias de dizer, se estás mesmo com carinha de não estares cá? Há quem diga que és um sonhador, que te sentes a mais no mundo dos simples, que os teus intelectuais voos não se compadecem com as conversas terra-a-terra dos que não têm asas, mas o que eu te digo, é que sofres de uma doença chamada ausência. Percebeste?»

Ele não ouviu, nem percebeu patavina do que ela lhe disse. Saiu de mansinho e ausentou-se de vez.


Sorrisos.

Demóstenes disse...

É um prazer visitar sítios assim onde as palavras são bem tratadas!

Voltarei, se me permite a ousadia, com mais tempo.

Manuel Veiga disse...

as palavras não passam de exorcismos tantas vezes. com que dominamos a dor. da ausência (nem que seja de nós próprios!...)

as tuas palavras são imensas. na sua dimensão de beleza...

beijo, minha amiga.

bettips disse...

Descalça na neve.
queima.
A mesma dor
na ausência.
(a Natureza descreve tão bem o sentir quando nela nos descansamos...)
Bj

© Maria Manuel disse...

belíssimas imagens nesta forma de falares da ausência. belo texto, Licínia.

Lídia Borges disse...

A ausência no vazio de num campo de neve... É uma bela imagem, num belo poema!

L.B.

Arábica disse...

Da ausência, da distância,
da neve silenciosa.

Um dia a primavera trará o verde,
ainda assim, sabemos que o inverno, invisivel, está apenas submerso.

Um beijo, Licínia e um abraço anti neve, corta neve.

M. disse...

Belíssimo, Licínia! Este teu dueto lembra-me um quadro que eu tenho e que veio para às minhas mãos através de uma história engraçada.
Um dia vi esse quadro com uma paisagem de neve que adorei. O preço era demasiado alto. Passei-lhe a mão por cima, como se o afagasse. O dono da loja reparou e disse-me que se tinha comovido com o meu gesto que revelava a pena que tinha de o deixar ali. Propôs-me que o comprasse em três prestações e que o levasse logo para casa. Aceitei...
Não é que a paisagem do meu quadro seja igual ou até mesmo parecida com a tua fotografia, mas há qualquer coisa que terá talvez a ver com ausência.

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