5.12.10

INVERNO



Na fímbria dos invernos há cidades desertas onde os nossos dedos arrefecem. O trote de um cavalo branco escreve no empedrado os nomes dos construtores dos fornos, das cisternas, dos celeiros, dos estábulos, da ponte velha, da ponte nova, do cruzeiro, do quadrante solar. Para trás ficam as águas das fontes, do ribeiro bravo, da ribeira grande, da sede das gentes, da sede do gado. Destrancados os portais, o vento dá-lhes o chiar dos gonzos e o choro das madeiras. Nas casas vazias do inverno quebram-se os vidros na violenta agonia dos pássaros perdidos da viagem. Um relâmpago breve acende lembranças de sol na melancolia das ervas, no esverdeado das paredes, nas crinas impantes do cavalo. O desamor do inverno envelheceu, sujou, adoeceu o rosto da cidade. Só lhe resta esperar o cavalito branco, a galopar, pelo trilho dos nomes, a anunciar as novas seivas, o regresso das aves, a chama renovada dos amantes, contra o frio, o gume, a escuridão.


Licínia Quitério 

13 comentários:

hfm disse...

Licínia, não sei se será do meu pc mas não consigo ler todas as palavras de cada linha; contudo, deu para perceber que o texto é para ler e reler. Um beijo.

Licínia Quitério disse...

HFM

Pode acontecer num portátil. Já experimentou correr o cursor inferior?

Obrigada.

Ana Oliveira disse...

Gosto muito dos seus textos, há neles uma intemporalidade, um regresso ao passado comum, aos sonhos, às crenças, que me encanta.

Obrigada

Um beijo

Benó disse...

Esperemos, então, o regresso das aves.
Gostei de te ler.

Maria disse...

Excelente a combinação entre o texto e a fotografia.
Das palavras já sabes como gosto.

Beijo, Licínia.

Justine disse...

Como tarda, esse jovem e frágil cavalito branco. Mas há-de chegar! Tão certo como a beleza nostálgica mas fulgurante ds tuas palavras!
Beijo

Manuel Veiga disse...

como Fénix abrindo o peito. em alimento e ânimo. "contra o frio, o gume, a escuridão...

em tuas palavras se renasce. sempre.

belissimo.

beijos

Graça Pires disse...

Parece que as aves começam a regressar só por falares nelas...
Um texto magnífico,Licínia.
Um grande beijo.

Virgínia do Carmo disse...

às vezes o inverno espalha-se e cobre-nos a alma...

Bjos

De Amor e de Terra disse...

Olá Licínia, boa noite.
Há tantos "invernos" na nossa existência, tantos!
E tal como em nós, também as casas, as coisa, os caminhos,os afectos, acabam por perecer ao frio de muitos invernos.
Parabéns Amiga, gostei muito mesmo!
Bjs.
M.M.

Mar Arável disse...

Repito

Sopro-te e voo

Excelente como sempre
contra a escuridão

Bj

Janaina Cruz disse...

Pasmada estou com palavras tão fortes, lindas e vivas... Ah, eu espero também ouvir o galopar de cavalos brancos por aqui, e ver a poeira do chão refletida nos raios solares, colorindo visões que assisto de minha janela, cansada de ver a feiura que o tempo causou pela falta de primavera nesta minha cidade...

bettips disse...

Aqui
nestes recantos mágicos e nas tuas águas,
das quais só tu sabes o motivo,
te aprecio
mais.
Bj

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