5.4.11

SE EU SOUBESSE PINTAR



Se eu soubesse pintar diria azul em tudo o que tivesse
uma passagem para o mar por mais modesta, 
qual semente de linho a acercar-se do rio. Verde
diria os meus olhos nos teus e os teus nos meus,
espelhos  de sonhos  e batalhas. Vermelho seria
o jeito de dizer a vida em mim e a mesma vida
em ti e o canto dos camponeses, afinado pelas  
cigarras, a fabricar a mais produtiva das preguiças.
Havia de ser amarela a escrita do sol a invadir
o quadro, a incendiar de febre esta mão, ignorante,
inábil, incapaz de traçar as marcas do teu rosto
no meu rosto, iguais, exactamente iguais,
às marcas do meu rosto no teu rosto, assim tão
fáceis de dizer num risco só, simples, como as
pequenas gotas do pequeno orvalho das enormes
madrugadas.
Se eu soubesse pintar, quem sabe eu procurasse
o branco que dissesse a casa que habitámos.

Licínia Quitério    

11 comentários:

Maria disse...

Seria uma tela com todas as cores, se tu soubesses pintar...
Acho que a pintaste com palavras, Licínia! Belas, como sempre.

Um beijo.

Katatsumuri disse...

A Licínia sabe pintar!
Pinta com palavras as mais lindas telas de papel, letras de anil e parágrafos transparentes de poesia.
Um bj

Graça Pires disse...

Uma pintura de palavras, Licínia. Quem disse que não sabes pintar?
Um grande beijo.

Justine disse...

Acabaste de pintar um quadro de magníficas cores!

OUTONO disse...

A pintura ficou mais rica com as pinceladas das tuas plavras...onde nem esqueceste de orlar o azuis...com matizados brancos...
Lindo!

Era uma vez um Girassol disse...

Que belo poema, Licínia!
Pintar não será só com tintas.
É possível pintar uma tela com a emoção que as palavras nos provocam.
Gostei imenso!
Beijinho da flor

M. disse...

E de novo o amor na beleza das suas cores. Osmose lindíssima entre palavras e fotografia.

Lídia Borges disse...

Um poema muito belo.
Gosto, particularmente, da forma "simples" de dizer as coisas só dizíveis por meio da complexidade de uma linguagem poética muito peculiar.

Um beijo

Manuel Veiga disse...

belíssimo!

gostei especialmente dos amarelos alucinados das searas (V. Gogh).

ou seriam girassóis?

beijos

Mário de Sousa disse...

Querida Amiga
Ainda bem que não sabe pintar! Pintar todos pintamos, mas ser pintor… é muito difícil e está reservado só para alguns.
Ainda bem que não sabe pintar porque se soubesse, toda a gana que põe no sentido de fazer poesia, seria tristemente dividida por duas artes quiçá tão entrelaçadas mas tão distintas.
Ainda bem que não sabe pintar porque assim não se preocupa com os matizes da cor das letras que compõem as palavras dos seus versos; não desperdiça esforço com tão pouco.
No fundo, a cor de uma poesia está no sentimento de quem a lê, de quem a transporta dos lábios que sussurram para o peito onde a guarda num cantinho do seu coração.
O silêncio que mantenho ao ler os seus poemas só é suplantado pelo respeito que tenho pela amizade que lhe dedico. Não gosto de elogios uníssonos; é do desassossego de quem nos contradiz que nós caminhamos e nos sentimos com vida e força para vencermos os desafios que a vida nos põe. Pela normalidade do alto a que nos habituou nunca me pronuncio ou pronunciarei.
É por isso Licínia que hoje, depois de ler o seu poema senti “…incendiar de febre esta mão…”, (desculpe-me a leviandade de a citar), e resolvi quebrar o tal silêncio do uníssono e dizer-lhe o quanto me envaidece escrever: Eu conheço a Licínia, é minha amiga!
Oh Licínia, ainda bem que não sabe pintar!
Com todo o carinho,
Mário de Sousa
Bissau, 10 de Abril de 2011

Anónimo disse...

Eu também gosto de azul.
http://azulchao.blogspot.com/
z.

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