20.6.14

AS CASAS


Avança a corrosão das casas e os velhos que as habitam afagam os gatos esculpidos nos parapeitos. A velhice das casas é sempre mais antiga que a de quem nelas mora. Como os ninhos, persistem na secura e aguardam outras aves. Se eu falasse da vizinha da frente teria que dizer do ranger das madeiras e das vozes com que fala, assombrada que está por tantos mortos que dela se esqueceram. Ela desce a escada e dia a dia acrescenta-lhe um degrau. Ela sobe a escada e pensa na última subida. As casas envelhecem subitamente quando as crianças partem e deixam para trás a memória do choro, dos brinquedos. Os poetas fazem metáforas com as casas, interrogam-nas, mas é  a vizinha da frente que acende a luz a iluminar as noites da casa. Os poetas ficam cá fora, a tentar decifrar o número da porta, que só a vizinha sabe em que sombra do rosto se escondeu.

Licínia Quitério  

3 comentários:

Manuel Veiga disse...

memórias habitadas - as casas!...
em que os poetas são umbral - por vezes.

belíssimo teu texto

beijo, querida amiga.

Mar Arável disse...

Até os livros são bio-degradáveis

Graça Pires disse...

Sempre a tua belíssima escrita para ler e reler...
Um beijo, Licínia.

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