20.3.15

DIA DE ENVELHECER


Um dia de envelhecer, 

um daqueles dias cor de ferrugem, 
com sombras muito oblíquas, 
mãos pendentes corpo abaixo, 
as costas dobradas na subida, 
na boca o gosto acre de aluviões.  
É preciso que o diga, 
por estas ou por outras palavras, 
eu não sabia o que era envelhecer 
antes de passar pelo portão da casa, 
um portão de ferro da cor do tempo, 
um trabalho de ferreiro, 
de pé à boca da forja, 
o suor a arrefecer-lhe as axilas, 
os músculos do braço mais cheios, 
menos cheios, 
e aquela mão enorme, 
dona e senhora do martelo, 
a bater, a bater, 
e os gritos do metal em brasa, 
a ceder, a estirar, a dobrar, a curvar, 
sem quebrar, 
que o ferreiro conhece o limite 
e ousa bater, bater.
Nos dias de envelhecer, 
quem passa pelo portão 
e nele prega o olhar, 
fugaz mas firme o olhar, 
soletra fogo com letras de rio 
e afasta-se 
com o verbo apagar por entre as pedras.

Licínia Quitério  

3 comentários:

Justine disse...

Não são todos?? Mesmo quando não se passa o portão...

Mar Arável disse...

Jovens com experiência

Alfredo Rangel disse...

Ah! Bom saber que sou portão forjado a batidas diferentes, cuidadosas e firmes, que tornam meu envelhecer natural e saudoso. Portão firme e resistente...

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