
Tenho estado a pensar que
a infância era do tamanho
da casa da minha tia -
nem muito grande nem muito pequena.
Na conta exacta dos meus anos
a que os adultos chamavam
felizes e despreocupados.
A casa da minha tia
também tinha o feitio da minha infância.
Era como um brinquedo grande
que me fazia imaginar histórias
que um dia eu havia de contar aos meus filhos.
Tinha uma parede forrada de papel pintado,
a imitar um jardim para onde abria uma grande janela,
igualmente pintada.
Eu abria a janela e regava com um regador de cartão
as plantas viçosas que estremeciam contentes comigo.
Na sala, havia uma janela, janela mesmo,
e sempre a minha tia dizia: cuidado
não te debruces.
(Ainda hoje gosto da palavra “debruces”
que há muito deixaram de me dizer.
pelo menos, com aquele tom de voz
de almofadinha morna.)
Sem me debruçar,
eu regalava-me a ver as janelas dos prédios
para além do jardim, jardim mesmo.
Pessoas abriam e fechavam as janelas
e eu podia distinguir as mãos, os ombros,
as cabeças e os olhos.
Bom, os olhos só os adivinhava
(azuis, como na minha família não havia.)
e com eles enfeitava livros cheios das histórias
que um dia havia de contar aos meus filhos.
Agora que já não há a tia
nem a casa com jardins de papel e
nem sei se os olhos seriam azuis
quando abriam e fechavam as janelas,
agora dedico-me a recordar a infância
que nem sequer sei se foi a minha
Licínia Quitério